Nós, os mamíferos, bebemos leite desde o nascimento. Excetuando o materno, o leite da vaca é o primeiro alimento da maioria das pessoas; e é tão comum que costumamos chamá-lo apenas de “leite”. Ele é constituído de três principais grupos nutricionais: as gorduras, as proteínas e o açúcar. Juntos, fornecem o aporte calórico, ou seja – a energia – que as crianças tanto precisam.
O açúcar do leite é chamado de lactose. Lembre-se que, no caso da cana, trata-se da sacarose. Das frutas, a frutose. Todos estes exemplos são “quebrados” em pedacinhos menores dentro do intestino. Este processo é chamado de digestão e resulta em uma partícula fundamental, a glicose (a nossa gasolina), que alimenta, junto com o oxigênio, as células do nosso corpo. Desde o cérebro até o dedão do pé.
Ao longo da evolução humana, quem passou a digerir bem a lactose teve vantagem sobre outros grupos e deixou descendentes. Estes filhos dos filhos também lidavam bem com a lactose. Lá no norte do planeta, onde o sol era pouco, era vital desenvolver mecanismos para digerir a lactose ao longo da vida e aproveitar ao máximo o leite, um alimento rico em cálcio. Isto não aconteceu com a maioria das populações tropicais africanas, que não precisavam tanto dele após a primeira infância. Vale lembrar que a luz solar aumenta a produção de vitamina D, um agente facilitador da absorção do cálcio, mineral importantíssimo para a gravidez e amamentação.
Para quem não digeria bem o açúcar do leite, sua ingestão poderia ser um tormento, já que a lactose livre no intestino atrai água, tendo como resultado a diarréia. Além disso, fermenta com bactérias que crescem em excesso, provocando cólicas e vômitos. Uma senhora me confidenciou, por exemplo, que, ao precisar de um laxante, tomava um pouco de leite e o seu intestino voltava ao funcionamento normal. Um belo exemplo da perda de capacidade de digestão da lactose (para os médicos, intolerância) que ocorre em uma parte dos adultos. Mas até agora não falamos de alergia. Justamente porque – como outros acúcares – a lactose, para espanto de muita gente informada, não causa alergia.
As proteínas, sim! Estas é que têm o poder de induzir inchaço, manchas pelo corpo, rinite, crises de tosse, de asma (chamada de “bronquite”), refluxo (volta do ácido do estômago) e sangramento intestinal. Nas pessoas que nasceram alérgicas, bem entendido. Quanto mais cedo o alérgico provou o leite de vaca (às vezes até no berçário), maior a chance disto acontecer. Neste caso, o diagnóstico é Alergia ao Leite de Vaca. Se quiser um termo médico mais completo, diríamos Alergia à Proteína do Leite de Vaca.
Nem todos os alérgicos desenvolvem quadros dramáticos. No caso de sintomas leves, como cólicas, diarréia e alguns vômitos, estamos frente à possibilidade de confusão diagnóstica com a intolerância à lactose. E a intolerância, em alguns casos, pode ser temporária. Quando crianças pequenas têm uma infecção intestinal, pode haver uma dificuldade do organismo em lidar com o açúcar do leite de vaca, até a mucosa voltar ao normal. Neste caso, o quadro de cólicas e diarréia pode durar dias e até semanas. Para suprir a falta de leites sem lactose, nossos avós fariam um leite mais “aguado”. Assim, a mucosa machucada conseguiria digerí-lo melhor.
Os mal-entendidos não param por aí. O leite de soja apresenta uma dupla modificação: não contém açúcar nem proteínas do leite de vaca. Quem passa a consumir soja melhora da alergia, pensando que era intolerância, e vice-versa. Com freqüência, a lactose tem sido incriminada injustamente, tanto que os rótulos no supermercado estampam em letras garrafais: “Sem Lactose”; bem pequenino, lá está: “não contém leite”. E olhe que até o cacau leva a culpa, apesar de raramente causar problemas. Como a fórmula do chocolate contém leite, nem precisamos dizer mais nada.
Nem sempre a troca soluciona a questão. Alguns alérgicos também desenvolvem reação à soja. Neste caso, preparados lácteos especiais serão indicados pelo médico. Apesar de terem um preço elevado, são fornecidos gratuitamente por algumas prefeituras, mediante encaminhamento adequado.
Para a alegria de muitas famílias, a alergia ao leite (por causa das proteínas, certo?) começa a perder força ao longo dos anos. Uma criança de 3 anos têm 80 % de chance de se ver livre deste pesadelo alérgico. Talvez no futuro reste algum incômodo. Algum sintoma leve que nos lembre dos apuros no início da vida. Mas isto será passado.