A Dermatite Atópica é uma doença prolongada de pele que acomete mais comumente as crianças. Na população geral, os números variam de 5 a 10%, dependendo da região, do país ou mesmo do questionário utilizado para estudar sua ocorrência. O termo dermatite pode ser interpretado como “irritação na pele” e a palavra atopia diz respeito à produção exagerada do anticorpo da classe E (ou imunoglobulina E, abreviada como IgE), fato característico da alergia. Na Dermatite Atópica também poderemos observar lesões chamadas de eczema. Neste caso, a irritação é persistente e localizada (por exemplo, nas dobras do cotovelo ou joelho); às vezes, um líquido claro “mina” do eczema, evidenciando uma lesão “úmida”, principalmente quando está bastante exacerbada. Por isso, alguns médicos preferem a denominação Eczema Alérgico.
Portanto, analisando seu nome, poderíamos considerar a Dermatite Atópica (ou o Eczema Alérgico) como uma doença que tem a alergia como causa exclusiva. No entanto, nem todos os pacientes com esse quadro são alérgicos. Em 20 a 30% dos casos, os exames são completamente negativos.
De qualquer forma, existe uma forte correlação da doença com a alergia na maioria dos casos. Quando pai e mãe são alérgicos, a probabilidade de um filho ter Dermatite Atópica gira em torno de 70% e, ao longo dos anos, quase metade desses pacientes desenvolverão alergias respiratórias, como a rinite e a asma (ou “bronquite”).
Não está totalmente esclarecido porque alguns pacientes alérgicos apresentam a doença e outros não. A interação de fatores do meio ambiente (modo de vida urbano e alimentação, por exemplo) com dezenas de genes herdados da família tornam o assunto bastante complexo. Isto faz com que cada paciente com Dermatite Atópica tenha uma história diferente, única.
Pode ser que uma criança com este diagnóstico tenha uma noite comprometida com intensa coceira na pele depois de ir a uma reunião onde comeu linguiça e outros derivados do porco, mas os pais ficam confusos quando percebem que as histórias variam de pessoa a pessoa.
Existem algumas características comuns, peculiares da Dermatite Atópica. Uma delas é a dificuldade da pele em manter uma hidratação adequada. A pele seca (chamada de xerose, ou xerodermia) resulta em sensação de coceira (prurido), um sintoma aparentemente banal, mas que pode tornar a vida do paciente em um verdadeiro “inferno”.
É muito importante que a coceira seja devidamente controlada. A primeira razão está relcionada à própria integridade da pele. O ato de coçar destrói a camada superficial de proteção e expõe mais terminações nervosas (as pontas dos “nervinhos” que vão até o limite superficial da pele). Dessa forma, o cérebro interpreta os impulsos nervosos como a ocorrência de bichinhos, ou insetos, andando da superfície do corpo. Lembremos que o instinto de coceira tem a função de proteção. Ao levarmos a mão ao local em que há essa sensação, procuramos espantar possíveis intrusos. Mas se esse ato for muito agressivo, principalmente com uma unha longa e suja, bactérias serão empurradas para baixo da pele e aumentarão a irritação local.
Sabe-se que, na Dermatite Atópica, a imunidade da pele, ou seja, as defesas locais contra infecções, não são tão eficientes como em outras pessoas. Isto facilita a proliferação de bactérias. Nem sempre há presença de pus, fato que já evidenciaria a necessidade de uso de antibióticos e estes seguramente serão receitados (em cremes, ou por via oral) quando o médico perceber que as feridas do eczema têm dificuldade em melhorar com o uso dos cremes de cortisona (os remédios mais eficientes para controlar as lesões).
Por outro lado, ao contrário da mucosa respiratória, local em que as cortisonas (ou corticoides) podem ser administradas por anos a fio, a pele pode apresentar efeitos colaterais se essa classe de remédios for usada prolongadamente. Algumas semanas de uso ininterrupto tendem a facilitar o aparecimento de estrias e a pele também pode ficar mais fina. Já existem pomadas que têm boa eficácia na melhora do quadro, sem serem cortisonas (os chamados imunomoduladores). A desvantagem, neste caso é o custo mais elevado.
Um erro comum é a utilização repetida dos corticoides por via oral, ou injetável. A alta dose deste tipo de medicamento melhora de forma rápida e dramática as lesões da Dermatite Atópica. No entanto, este procedimento não tarda a ser acompanhado de efeito rebote, que se caracteriza pela piora logo após a retirada do medicamento, às vezes até mais intensa do que o quadro anterior.
Talvez a maior dificuldade do médico em relação à orientação em uma consulta seja deixar claro aos pacientes que não há cura para essa afecção cutânea. A troca repetida de médicos e tratamentos, na procura de uma solução definitiva, acaba por gerar mais angústia em toda a família. Mas, de todo modo, a constatação de que um filho poderá necessitar de maiores cuidados por vários anos não é uma situação fácil. Uma boa notícia é a possibilidade de melhora e até desaparecimento do quadro na esmagadora maioria dos casos até a chegada da adolescência.
Como vimos, o controle da coceira é fundamental para permitir uma boa qualidade de vida ao paciente, independentemente da idade. Para isso, devemos focar inicialmente em uma boa hidratação da pele. Esta hidratação resulta da água que cai na pele e é retida por tempo prolongado, protege-a e não tem relação com a quantidade de líquido ingerido. Portanto, não faz sentido beber mais água com o objetivo de hidratar a pele.
Para o controle dos sintomas, é necessário recuperar a camada superficial cutânea. Cremes com ceramidas, uma vez ao dia, podem ajudar bastante. Outra opção é o creme com uréia, que usualmente tem a inscrição “para pele seca”. A uréia, no entanto, tem o inconveniente de necessitar o uso por mais vezes ao dia e irritar a pele que tem já está ferida. Em crianças, isso é bastante delicado, pois resulta em aversão ao uso de produtos para a hidratação local. A utilização contínua de algum creme, mesmo que seja apenas para manter a água que acaba de umedecê-la, após um banho com uso de pouco sabonete, é fundamental.
Uma medicação que pode ser crucial no controle da coceira é o anti-histamínico (ou “antialérgico”). Atualmente, são raras as situações em que os médicos indicam um anti-histamínico sedante (ou seja, os de primeira geração e que dão sono), mas na Dermatite Atópica esta categoria de remédios tem particular eficácia no controle do sintoma. Infelizmente, além do sono, o aumento do apetite é outro efeito colateral que pode inviabilizar seu uso em grande parte dos pacientes. Assim, o médico poderá eventualmente receitar um anti-histamínico de última geração (não sedante) e, junto com o paciente, avaliar o quanto ele tem sido eficaz na diminuição da coceira.
Estímulos que pioram uma doença, ou fazem iniciar uma crise, são chamados de fatores desencadeantes. No caso da Dermatite Atópica, são vários os itens que interferem negativamente. Além dos aditivos (corantes e conservantes), podemos citar os alimentos, responsáveis por um terço dos agravamentos em crianças. Leite, ovo, amendoim, trigo e soja têm sido implicados em diversos estudos científicos.
Também o contato com substâncias do ar que causam alergia, como mofo, ácaros, e cheiros intensos de produtos industriais (tintas, combustíveis, etc.) podem ser nocivos. Aspectos psicológicos merecem especial atenção. Períodos em que há maior stress, depressão, outras doenças, ou situações em que há um desgaste maior do que o habitual, a coceira pode piorar, feridas se intensificarem e o desespero aumentar. Mas, frequentemente, não há um fator identificável, uma “culpa” de algum produto ou de alguma atitude que explique a manutenção ou piora do quadro.
Em muitos casos, toda a família acaba envolvida na questão. Comentários comuns, sugerindo que as afecções possam ser contagiosas, ou que os pais não estejam dando a devida atenção ao problema, são extremamente desagradáveis para os familiares. Não menos simples é conviver com um filho que dá sinais de constrangimento por ter feridas que não deseja expor nos diversos ambientes que frequenta.
Nos casos graves, o especialista poderá lançar mão de medicações controladas e procedimentos como banho de luz (fototerapia). Até a vacina alérgica (imunoterapia) já mostrou melhora de casos comprovadamente alérgicos, mas os dados ainda precisam ser confirmados em mais estudos.
Por enquanto, o mote principal no controle dos sintomas e lesões da Dermatite Atópica é hidratar a pele da forma mais intensiva possível, utilizar antibióticos (locais ou orais) em infecções (inclusive quando não há sinais de melhora) e aplacar a coceira com anti-histamínicos, se necessário por tempo prolongado, observando os possíveis efeitos colaterais das drogas mais antigas. Ao seguir esses preceitos básicos, os pacientes terão, seguramente, uma vida melhor.