Muitos pacientes ficam confusos quando ouvem opiniões totalmente contrárias em relação à vacina alérgica. Amigos e familiares nem sempre estão de acordo, mas o atordoante mesmo é ver que nem os médicos parecem se entender. Como em alguns assuntos de outras áreas da medicina, a imunoterapia alérgeno-específica (termo técnico para a “vacina alérgica”) também gera muita controvérsia.
A Sociedade Britânica de Pneumologia (ou Torácica), por exemplo, destacou o risco das injeções de material alérgico, após relato de mortes no Reino Unido na década de 80 e chamou a atenção para o fato de que não existiam trabalhos, na época, que mostrassem eficácia maior do que os modernos tratamentos para asma. Além disso, na vivência clínica diária das várias especialidades, médicos observam que muitos pacientes relatam histórias de fracasso com o uso da vacina, sem contar as atitudes suspeitas de alguns profissionais, que parecem mais interessados nos dividendos econômicos que na melhora do doente.
Então, vamos entender porque cada médico tem suas razões para acreditar, ou não, nesta forma de tratamento, a Imunoterapia Alérgeno-Específica, assim chamada pois utiliza uma substância específica que causa alergia (um alérgeno) para, em doses cada vez maiores, estimular uma resposta no organismo que leve à produção de anticorpos (e outras partículas do setor imunológico) que bloqueiem o processo alérgico. Em outras palavras, aquilo que nos induz à alergia poderia, em doses pequenas e frequentes, ter o efeito de acalmá-la. Até parece homeopatia, mas não é. Trata-se de um item da medicina tradicional que remonta há quase 100 anos. Mas, existir há tanto tempo é um argumento convincente da sua eficácia? Não, não é. São necessários argumentos melhores que esse para convencer alguém que lida com a ciência.
Portanto, a primeira dúvida é se os trabalhos científicos demonstram que a vacina alérgica realmente funciona. Para responder a esta pergunta, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estudou detalhadamente o tema, levantando estudos bons e confiáveis das últimas décadas. Como resultado, publicou um extenso material no fim dos anos 90, que chegou à conclusão de que a imunoterapia é eficiente em algumas situações e não o é em outras. Ou seja, depende.
Trocando em miúdos: depende do diagnóstico, do material utilizado, da receita da vacina, do tempo de tratamento. Se o diagnóstico for correto, se o material for de boa qualidade, se a receita da vacina for bem feita e se o tempo de tratamento for obedecido, com todos estes itens seguidos à risca, a chance de sucesso poderia beirar os 80%, pelo menos em relação à versão injetável em pacientes acima de 5 anos de idade. E nos últimos estudos em que se utilizou a vacina sublingual de alta dosagem, os resultados têm se mostrado promissores.
Mas, antes de iniciarmos um tratamento, temos que nos certificar sobre o risco envolvido. Sim, existe um risco de reação alérgica às injeções. Afinal, não são injeções de água. O material utilizado pode induzir à alergia. Para esmiuçar este assunto, uma agência americana avaliou todos os casos de reações graves relatadas até então e chegou ao seguinte número: uma morte a cada 63 milhões de aplicações. Um risco muito, muito baixo, principalmente se forem obedecidas recomendações básicas, como a contra-indicação em casos de uso de uma medicação para o coração chamada de beta bloqueador. Como a piora da alergia pode ser muito mais arriscada, nem se recomenda a suspensão do tratamento durante a gravidez. Felizmente, as várias Sociedades de Pneumologia e Alergia (inclusive no Brasil) estão realmente preocupadas com as estatísticas da OMS, que relatam as centenas de mortes por asma que ocorrem no mundo a cada dia (em 2005, 698 mortes diárias).
A asma alérgica, a rinite alérgica e a reação à picada de insetos, comprovados por exames, são exemplos de diagnósticos corretos para o início da imunoterapia. Também têm sido descritos alguns casos de melhora de dermatite atópica (ou eczema alérgico) e urticária. Mesmo assim, casos muito graves de asma devem ser excluídos. Acredita-se que o processo da doença extremamente grave tenha particularidades diferentes da doença alérgica comum e, desta forma, menos chance de sucesso com o tratamento em questão.
Material de boa qualidade é um item difícil de ser avaliado por leigos e médicos não alergistas. De qualquer forma, boas empresas são vistas em Congressos e oferecem detalhes em seus sites. Quando um médico receita uma vacina, é importante para o paciente saber que pode checar esta informação, inclusive preços dos frascos, já que não podem ser encontrados em farmácias comuns devido às condições especiais de manipulação e armazenamento.
A receita (ou a formulação do extrato alérgico) também contribui para o resultado. Antigamente se falava do pó. Alergistas davam gorjetas aos faxineiros de hotéis para utilizar o material aspirado dos carpetes em suas vacinas alérgicas artesanais. Hoje, sabemos que cada pó é diferente e contém partículas variadas. Entre elas, destacam-se as várias espécies de ácaros que vivem em nossos tecidos domésticos. Um, dois ou três tipos de ácaros fazem parte da maioria das receitas. Também podem ser empregados fungos ou pedaços de baratas. Ou formiga e mosquito. Mas não se recomenda mais aquela lista imensa de alérgenos, todos juntos, pois a chance de não ser eficaz é muito grande.
Mais um detalhe: entender o “timing” da imunoterapia é fundamental. Ou seja, não podemos esperar que ela comece a apresentar efeito antes de 3 ou 4 meses (apesar disto acontecer em alguns pacientes). Também não podemos suspendê-la antes de 2 a 3 anos, sob pena de ter de reiniciá-la antes do tempo estimado de benefício, que é por volta de 3 a 10 anos. Neste caso os números variam bastante, pois dependem da doença e da resposta que cada paciente apresenta. Por outro lado, nenhuma melhora entre 6 a 9 meses levanta dúvidas se ela deve ser continuada.
Quando um médico não pergunta sobre as várias possibilidades de insucesso da vacina alérgica, ele nunca saberá ao certo se aquele paciente em especial poderia mesmo melhorar e, ao misturar pacientes que trataram corretamente com aqueles que pensam que assim o fizeram, ficará com a impressão de que não vale a pena perder tempo e dinheiro com a tentativa.
Por fim, é um erro comparar vacina alérgica com tratamento com remédios, pois eles são complementares. Até pela demora inicial em diminuir os sintomas, as medicações para rinite e asma, por exemplo, continuarão a serem usadas. Mesmo porque, em muitos casos, a imunoterapia apenas diminui a quantidade das crises alérgicas, sem as abolir por completo.
Estudos e controvérsias enriquecem a medicina e, como resultado, o volume de dados que se avoluma em cada especialidade é imenso. Frequentemente, mesmo entre nós, médicos, as opiniões se baseiam nas insuficientes informações que temos de um assunto. Mas, para aqueles que conduzem o tratamento conforme as regras da Organização Mundial de Saúde, são inegáveis os benefícios da vacina alérgica.
Dr. Raul Emrich Melo