1 – A alergia ao pólen, ou febre do feno, é pouco conhecida no Brasil, mas a incidência de casos tem aumentado. A que se deve o pequeno conhecimento das pessoas? Muitas confundem a alergia ao pólen com outros tipos?
A alergia ao pólen é muito comum em países de clima frio, que têm estações bem definidas. A primavera que se segue a um inverno rigoroso favorece a eclosão de uma família de plantas, as gramíneas. Gramas em geral fazem parte deste grupo, que inclui exemplos menos óbvios, como trigo, cevada, arroz e até o bambu e o milho, mas gramíneas (e algumas árvores) que soltam partículas dirigidas à reprodução (as anemófilas) as plantas que têm presença marcante quando o tema em questão é alergia sazonal (aquela presente em uma determinada época do ano).
A denominação “febre do feno” (em inglês, hay fever) é o resultado de um equívoco histórico que persiste devido à fama que o termo alcançou, já que não existe febre na rinite alérgica polínica e raramente o feno pode ser implicado como causador do quadro.
A alergia ao pólen é pouco pesquisada no Brasil tropical, talvez porque se acredite, de antemão, que os estudos não mostrarão dados contundentes. No entanto, na década de 1950, um estudo em São Paulo observou que 10% das pessoas poderiam ter um quadro compatível com rinite sazonal. Dados recentes sobre polinose (alergia causada pelo pólen, como rinite, asma e conjuntivite) estimam sua frequência ao redor de 22% em Caxias do Sul e 14% na cidade de Santo Ângelo, cidades da região Sul.
Acredita-se que o aumento no número de pacientes alérgicos possa estar relacionado à importação de culturas europeias de plantio, facilmente adaptáveis à essa região brasileira de clima frio. O azevém-italiano (Lolium multiflorum) é um desses exemplos, um tipo de grama que resiste a invernos temperados e serve de pasto ao rebanho.
A contagem de pólens em Curitiba mostrou que a intensidade de dispersão das gramíneas estava maior no final da década de 1980, quando comparada a 10 anos antes, e em estudo do final da década de 1990, realizado também na mesma cidade do Paraná, todos os 300 pacientes com rinite alérgica sazonal apresentaram positividade ao exame com o azevém.
Para complicar ainda mais, as alergias podem se sobrepor, dificultando o diagnóstico. Muitos pacientes apresentam, além dos quadros derivados do contato diário com ácaros, ou pelos de animais de estimação, também a reação ao pólen. Em se tratando de rinite, a tendência atual é de dividir os quadros em perene (contínua) e intermitente (eventual e sazonal), conforme orientação do ARIA (sigla em inglês para Rinite Alérgica e seu Impacto na Asma), documento com chancela da Organização Mundial da Saúde, distribuído à classe médica, e que é periodicamente revisado em encontros de especialistas. Exames que pesquisam a possível sensibilidade dos pacientes a estes estímulos (como testes alérgicos no braço e exames de sangue) poderão ajudar a diferenciar os quadros mais intensos.
2 – Quais são as épocas de maior incidência de problemas relacionados à alergia ao pólen? É somente na primavera que ela aparece ou durante todo o ano, ainda mais com os problemas de aquecimento global?
A tendência é de observarmos, no Brasil, mais sintomas derivados do pólen entre setembro e dezembro, mas estudos europeus e americanos evidenciam que também existem padrões variados de polinização ao longo do ano, para algumas plantas. É possível que outras partículas causadoras de alergia sejam encontradas no Brasil, nas próximas décadas. Isto poderá explicar a piora de sintomas observada em alguns pacientes que migram de sua cidade natal.
3 – Quais são as melhores formas de se precaver contra esse tipo de alergia? Em casa, na rua e no trabalho?
É muito difícil tomar medidas eficazes para prevenir o aparecimento da alergia respiratória ao pólen. Evitar o contato com o ar do ambiente externo, ou usar óculos vedados nas laterais, costumam ter pouco sucesso. De qualquer forma, o uso de medicações adequadas pode interferir drasticamente com o sofrimento dos alérgicos, e permitir que levem uma vida normal.
4 – A alergia ao pólen, juntamente com os altos índices de poluição de São Paulo e do ABC, por exemplo, aumentam o número de pessoas com a alergia? Porquê?
Não sabemos ao certo até que ponto a poluição interfere na evolução dos quadros alérgicos. Estudos de outros países evidenciaram marcante diferença – para pior – quanto mais poluição estava envolvida. No entanto, dados brasileiros mostraram estatísticas elevadas de algumas doenças alérgicas em cidades litorâneas de grande população. Em uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Alergia, quando adolescentes foram perguntados se tiveram rinite alérgica no ano anterior, responderam positivamente aproximadamente 30 e 40%, respectivamente, em Salvador e Belém, cidades sabidamente menos poluídas que a média dos grandes centros urbanos brasileiros.
Não há estudos que relacionem alergia ao pólem com a poluição. Portanto, até agora só podemos especular que, possivelmente, a poluição poderá agir como catalisador para o surgimento de novos casos, ou piora dos já existentes.
5 – O que esse tipo de alergia pode causar? Quais são as consequências para quem adquire a doença?
Rinoconjuntivite é a manifestação mais frequente e os sintomas incluem ardência nos olhos, inchaço de pálpebras, vermelhidão da conjuntiva (olhos vermelhos, configurando uma conjuntivite), além de espirros, coceira no nariz e obstrução (“entupimento”). Não há perigo de morte envolvido, mas a qualidade de vida é seriamente prejudicada. Estudos mostram que até a vida sexual é afetada quando a rinite está fora de controle.
Outro quadro resultante do contato do pólen, desta vez com consequências mais sérias, é a asma, popularmente chamada de “bronquite”. Podem ocorrer falta de ar, chiado no peito (como se fosse um ronronar a cada expiração), tosse e, em situações críticas, internação devido à dificuldade respiratória.
Quando um paciente se muda para uma região do Brasil onde a polinização é intensiva durante a primavera, a primeira estação poderá trancorrer de forma tranquila. O contato da via respiratória com as novas partículas potencialmente causadoras de alergia, no entanto, desencadeia um processo imunológico de reconhecimento e memorização. Anticorpos autolesivos passam a ser produzidos e a próxima primavera poderá ser bastante sofrida. O mais angustiante é que não conseguimos prever esta evolução. Podemos apenas supor que essa possibilidade existe, com maiores chances de ocorrência, em pacientes que já apresentam sintomas intensos há muitos anos.
6 – As crianças hoje são o público mais afetado por doenças respiratórias. Elas fazem parte de um grupo de risco? Isso pode fazer com que a população de adultos futura tenha ainda mais problemas como este, relacionados a alergias?
As alergias tendem a afetar mais crianças do que adultos, mas os grupos de risco incluem, além dos pacientes que estão no início da infância, aqueles portadores de doenças prolongadas (chamadas de crônicas), que poderão ter agravamento do quadro em uma crise alérgica intensa. Diabetes, doenças cardíacas e portadores de deficiências imunológicas já são, como regra, mais suscetíveis à internação. Sinusites e crises de asma funcionam como uma “gota d´água” em um contexto delicado.
O prolongamento dos quadros alérgicos durante a vida adulta estão relacionados à carga genética do paciente e a particularidades de difícil interferência, como país de moradia, modo de vida, alimentação e infecções. Sabe-se que a frequência das alergias aumentou nas últimas décadas, sem termos explicação exata do porquê isso aconteceu. Alguns estudos implicam a presença de verminoses como um fator protetor, outros incriminam a poluição, alguns dão maior valor à vida mais próxima da natureza. Todos os itens citados parecem ter alguma influência, nas diversas pesquisas já realizadas, mas a resposta, ainda permanece um mistério.