Os corantes fazem parte dos aditivos alimentares, ou seja, substâncias que são adicionadas a um alimento para que ele se torne mais agradável ao nosso olhar de consumidor. Seria estranho tomar um suco de morango de cor amarela, não é mesmo? O macarrão fica mais bonito, a bebida parece mais realista e, pelo menos no caso das crianças, tudo fica mais divertido com a profusão de cores que vemos na prateleira do supermercado.
Mas estas não são os únicas substâncias adicionadas a alimentos e remédios. Os conservantes também são aditivos e têm um papel importante: manter a comida livre de contaminações. Assim, ela poderá ser guardada por mais tempo antes de ser descartada. Já dispomos de conservantes muito seguros, que entram em diversas formulações da indústria alimentícia e de medicamentos, como o sorbato de potássio (sal da vitamina C). Afinal, quanto mais tempo um remédio puder ser guardado no armário, melhor para o paciente. No entanto, os sulfitos, um dos conservantes bastante utilizados em bebidas (como o vinho), podem deixar alguns alérgicos em apuros. Crises de falta de ar e corpo empelotado são alguns dos possíveis efeitos desagradáveis de sulfitos em pessoas alérgicas.
Outro grupo que pertence aos aditivos são os adoçantes (edulcorantes), substâncias que tornam o alimento, ou remédio, mais palatável, mais doce. Somos cada vez mais exigentes em relação ao gosto daquilo que colocamos na boca. Desta forma, a indústria procura maneiras possíveis de conquistar nossa preferência. Em relação às crianças, o simples ato de tomar um remédio pode trazer grande desgaste na relação dos pais com os filhos. Quem tem filho sabe disso: devemos abrir a boca da criança à força? Colocamos uma dose de remédio “guela abaixo”, custe o que custar? Os médicos também estão cientes de que em alguns casos esta dificuldade pode até comprometer o sucesso do tratamento, tanto que, freqüentemente, já contabilizam a previsão de que o medicamento será suspenso um pouco antes do combinado. De qualquer forma, aspartame, sacarina, ciclamato e sorbitol, exemplos comuns de adulcorantes, são seguros em pessoas alérgicas e não têm demonstrado o risco de câncer que, há anos atrás, era atribuído a essa classe de aditivos.
Entre todos os aditivos, os corantes são os mais problemáticos em relação aos possíveis efeitos colaterais que podem causar, principalmente de origem alérgica. Um exemplo conhecido na prática clínica é o da tartrazina, um corante que confere aquela chamativa cor amarelada aos salgadinhos artificiais e pode estar cifrada em um rótulo industrializado sob o código INS 102 do sistema de numeração da Organização Mundial de Saúde. Sem a cor amarela, aí sim teríamos a real impressão de estarmos comendo um isopor com largas doses de sal. Nem sempre a tartrazina é reconhecida tão facilmente. Em preparações pouco ácidas, ela se torna avermelhada; junto com corantes azuis, adquire nuances de verde.
Como reações alérgicas típicas aos aditivos, observaremos o inchaço no rosto (ou, no jargão médico, edema), placas avermelhadas pelo corpo, acompanhadas de muita coceira (urticária) e até reações mais extremas como falta de ar devido a comprometimento das vias respiratórias: inchaço na glote (que fica na entrada dos pulmões) ou nas próprias paredes dos brônquios, a “bronquite” (ou asma). Poderá acontecer ainda, mais raramente, queda de pressão e até desfalecimento (anafilaxia grave).
Os aditivos representam um desafio a mais na investigação médica. Em primeiro lugar, não existem exames rápidos e confiáveis para a maioria das substâncias que estão sob suspeita. Os estudos conduzidos em ambientes científicos utilizam o método de desencadeamento, isto é, o paciente ingere novamente a substância que está sendo investigada (preferencialmente, sem saber o que está tomando) e tenta-se “desencadear” o efeito relatado. Claro que isto tem seus riscos. Por isso, na prática clínica, às vezes já retiramos um determinado ítem da dieta quando o relato é convincente.
Acontece que a aparência do corante confere a noção de tamanha superficialidade, de tanta distância em relação àquilo que consideramos saudável que, frente a um caso de alergia, nossa primeira reação é culpar um possível corante com que tenhamos tido contato recentemente.
Curiosamente, as reações a corantes são muito menos freqüentes do que se esperaria. Estudos científicos estimam que os problemas com estes aditivos não passem de 1%. Mais interessante ainda, boa parte destes eventos nem são classificados, a rigor, como reações propriamente alérgicas (as reações de alergia têm aumento de um anticorpo chamado IgE). Neste caso, não se justificam formas de tratamento como a da “vacina alérgica” (ou imunoterapia), pois seguramente não terão sucesso.
Como primeira medida procura-se evitar o agente que produz o efeito indesejável. Alguns alimentos têm pouca chance de esconder algum aditivo preocupante. Entre eles estão os pães e cereais, manteiga e óleos vegetais, carnes (exceto porco), frutas, vegetais e bebidas como leite, chá, água e suco de frutas não industrializado.
Por outro lado, evitar o agente suspeito em ítens tão diferentes como balas, salgadinhos, sucos não caseiros, geléias, compotas e sobremesas industrializadas, bolos, recheios coloridos, extratos de tomate/ketchup, produtos em lata, iogurtes, chocolates, refrigerantes, salsichas e sorvetes, aproxima-se de uma “missão quase impossível”.
Felizmente, para muitos, o chocolate (uma formulação que inclui o cacau, leite e alguns aditivos) é um destes produtos que quase sempre “levam a fama” de culpados em quadros alérgicos, apesar de muito raramente resultarem em desencadeamentos positivos.
Os medicamentos anti-alérgicos (tecnicamente chamados de anti-histamínicos) terão seu papel no tratamento de um evento desagradável e, quando a reação não for grave, talvez sejam o único medicamento prescrito. Tanto melhor que as versões atuais dessa classe de drogas não provocam mais os efeitos colaterais de sono e ganho de peso.
A década de 50 do século XX, quando pela primeira vez um caso de alergia foi relacionado à tartrazina, já ficou para trás, há bastante tempo. Mas parece que temos ainda uma longa estrada até conseguirmos uma bateria de exames simples e eficaz para a detecção de um aditivo causador de alergia. Por enquanto, o espírito detetivesco do médico e a determinação do paciente de viver melhor são os aspectos fundamentais na busca de uma vida saudável para o alérgico.
Dr. Raul Emrich Melo